Companhia das Letras
Eu costumo dizer que muito da
nossa experiência de leitura tem a ver com a expectativa depositada
sobre o livro. Quando lemos a sinopse e ela é muito bem elaborada e
instiga a nossa imaginação essa cobrança para que leitura seja
incrível aumenta, principalmente quando se trata de uma obra de
autor renomado. Comecei minha resenha explanando sobre isso porque na
obra DEPOIS DA QUEDA senti desde o princípio uma exigência
muito grande de amar a leitura, a sinopse me deixou curiosa, ansiando
desvendar o mistério proposto, a compreender os personagens e
mergulhar de fato na narrativa do autor, que diga-se de passagem é
talentosíssimo. Dennis Lehane sempre ousa, surpreende, eleva
o nível dos livros do gênero – policial, suspense -, ele sabe
como nos enredar em seus mistérios, e desta vez não foi diferente,
Lehane experimentou algo novo e foi muito bem, mesmo com alguns
pontos a serem levados em consideração.
Rachel Childs é uma
mulher que conhece muito bem a queda, a ruína. Ela cometeu um crime,
ficamos sabendo disto desde as primeiras páginas e então o autor
retrocede a narração, e nos leva novamente para o início de tudo.
Sua infância e adolescência foram conturbadas, permeadas pela
ausência de um pai, e uma relação difícil com sua mãe. Já em
sua fase adulta, conseguiu se tornar uma jornalista bem-sucedida, mas
viu sua carreira ruir após um ataque de pânico que foi transmitido
ao vivo. Sua vida amorosa também não é das melhores e após o fim
de mais um relacionamento se viu oprimida por sua própria vida,
vindo a desenvolver uma especie de agorafobia, um receio irracional
de sair de casa. Se isolando por um longo período, aguardando assim
que as pessoas esquecessem seu vexame. Mas algo a puxa de seu
isolamento, o reencontro com uma pessoa especial, que sempre se
revelou gentil e respeitoso, um ombro amigo e apoiador, Brian. A
conexão entre ambos é imediata, existe atração, química, a
necessidade de conexão e não demora para que se casem. Um casamento
muito feliz, ou, pelo menos, era isso que aparentemente existia, até
que a visão de uma pessoa ameça destruir tudo que foi construído,
deixando uma interrogação sobre todos os aspectos de sua vida. É
dai em diante que o enredo se torna cada vez mais misterioso,
complexo, cheio de paranoias, reviravoltas e caminhos duvidosos.
Somos levados a nos sentir perdidos, assim como a protagonista,
questionando o que está bem diante dos nossos olhos.
“(…) Sentiu-se uma indigente emocional que mendigava de porta em porta a vida inteira, pedindo a perfeitos desconhecidos que a alimentassem. Que a preenchessem. E voltassem a preencher.”
Rachel é uma mulher cercada de
segredos. Atormentada por suas quedas, por suas perdas, perdas essas
que a tornaram alguém com medo dos fins. Uma mulher forte, capaz de se
reerguer, se reinventar, se transformar, multifacetada. Mas ainda
assim, uma mulher sem estrutura psicológica. Uma mulher a procura de
algo que lhe falta, tentando preencher um vazio que habita dentro de
si desde sua infância, buscando um sentido para sua existência.
Demorei em me conectar com ela, a compreendê-la, mas, com certeza,
esse foi um ponto proposital do autor. Para mim ele gera reflexões,
questionamentos e acusações o tempo todo, desafiando o leitor. E
tudo isso apresentado a partir de um único ponto de vista, o da
própria Rachel, o que torna tudo ainda mais complexo e intenso
quanto ela própria.
“Por um lado, aquilo era uma definição perfeita de loucura — a vida dela podia acabar amanhã, ou ainda hoje, justamente por causa daquele homem. E só dele. Foi ele quem abriu as jaulas dos demônios que ela trazia presos no porão: agora, eles só iriam sossegar quando ela morresse ou acabasse presa.”
DEPOIS DA QUEDA nos pega
exatamente neste ponto: Como reagimos após uma queda? Após perder o
controle de algo que tínhamos tanta certeza de estar certo? Estamos
cientes de como mudamos, nos transformamos após cada uma? O amor
realmente deveria ser o sentimento que rege nossas escolhas? Aqui ele
é apresentado em sua forma mais crua, selvagem. Inconsequente, louco
e cruel, sendo usado como justificativa para atitudes impulsivas,
insanas, errôneas. E ainda somos massacrados pela monstruosidade
humana, seres egocêntricos e egoístas. E não posso deixar de
mencionar sobre o quanto não conhecemos ninguém de verdade –
choque -, é uma teia de mentiras, um quebra-cabeça de enganos,
dúvidas e inseguranças. Caminhos sem volta. Nada é entregue de mão
beijada e rapidamente. As respostas para todas as perguntas chegam em
dose homeopática, sempre deixando novas perguntas e tornando o final
algo imprevisível.
“Eu te amei, eu te odiei, mas nunca soube quem você era.”
Provavelmente estou te deixando
confuso. Esse é um tipo de livro difícil de resenhar, pois os
spoilers ficam a espreita, aguardando qualquer brecha para se
libertarem. O que posso dizer caros leitores, é que DEPOIS DA
QUEDA é uma história com muito a entregar, a nos fazer
questionar e refletir. Uma obra que aborda vários temas, que passeia
por diversos questionamentos humanos e que apesar de ser intrigante e
envolver o leitor mais e mais a cada página, começa de uma maneira
lenta e cansativa. O autor demora a chegar no centro da história,
ele faz questão de voltar no tempo e construir cada personagem e
cenário meticulosamente, existem excessos, pontos que facilmente
poderiam ser descartados e outros que mereciam ser mais elaborados, mas nada que prejudique a leitura, acredito que seja a
maneira do autor de nos levar por uma viagem pelo caminho mais longo
até o destino final.
Se você é amante de um bom
romance policial, repleto de mistério e reviravoltas, com uma
narrativa detalhada e muito bem construída, esse é o livro certo
para você.
Beijos, até a próxima!
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