( Resenha ) Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço de Adriana Negreiros @edobjetiva - Clã dos Livros

( Resenha ) Maria Bonita - Sexo, Violência e Mulheres no Cangaço de Adriana Negreiros @edobjetiva

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Editora Objetiva

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Resenha


Nós realmente temos muitas obras, sejam literárias ou cinematográficas, que trazem um retrato sobre o cangaço. E quando falamos em cangaço, logo vem em mente as figuras de Lampião e Maria Bonita; imortalizados como o rei e a rainha do cangaço.

Muito me estima Maria Bonita. Como feminista, sempre apreciei a personificação de coragem e rebeldia que Maria exala. Mas, ao mesmo tempo, como apreciadora de história; tinha minhas dúvidas sobre a realidade da rainha do sertão e suas demais companheiras.


A Rainha do Cangaço em trajes de festa. Foto de Benjamin Abrahão

Adriana Negreiros, jornalista, brasileira; traz uma obra rica e, mesmo tecendo uma história tão conhecida por décadas; consegue ser completamente original e inédita.

Inédita no sentido de finalmente, trazer uma perspectiva sobre as mulheres do sertão. E claro, todos os detalhes a respeito de Maria Gomes de Oliveira, ou Maria de Déia. 

Adriana desmonta e remonta o cangaço, dessa vez sem romantização. A realidade nua e crua é pintada em cores fortes, choca, emociona, revolta e finalmente; nos mostra o quão cruel era a realidade do cangaço.
"No entanto, enquanto a mulher de Lampião viveu, a personagem nunca existiu. A cangaceira que teve a cabeça decepada em 28 de julho de 1938 era simplesmente Maria de Déa: uma jovem de 28 anos que morreu sem jamais saber que, um dia, seria conhecida como Maria Bonita."
Numa narrativa envolvente, ela nos traz ainda detalhes e fatos sobre outras personagens do sertão, como Dadá; e claro, sobre o próprio Lampião.

Acho válido ressaltar que esta obra não é fictícia. É um retrato de uma parte da história do Brasil. O diferencial dentre tantas já publicadas, é que aqui temos finalmente uma visão direcionada para as mulheres. Ela vem para contar e esclarecer todas as dúvidas que tivemos a despeito da realidade feminina presente no cangaço. Finalmente pude ter minhas dúvidas esclarecidas e ainda, pude conhecer mais fatos sobre esse período e sobre essas mulheres.

Não é spoiler dizer que a realidade era bem diferente. A promessa de vida livre apresentada em muitos livros e adaptações, que seria o grande atrativo para as mulheres se interessarem por essa vida, era praticamente inexistente. 
"Era uma questão de escolher entre dois tipos de violência não muito diferentes. De um lado, a das forças policiais, cujos métodos de tortura em nada  deixavam a dever aos dos bandidos. Do outro, dos cangaceiros, homens embrutecidos, vingativos e perversos."
Os cangaceiros de Lampião não só roubavam bens materiais e matavam a sangue frio. Eles estupravam e violentavam.


Bando de Lampião - foto de Benajamin Abrahão

Acompanhar homens violentos no sertão não era uma escolha tão linda como pintada em muitas versões por ai. Maria quis seguir Lampião, mas passou fome, foi perseguida por policiais. Claro que o argumento "ela abandonou o marido para viver com Lampião" vai surgir. Mas então, em contrapartida, levanto a questão: como seria o matrimônio de Maria? Seria seu primeiro marido digno de pena?

Sem contar ainda o fato de que a maioria das mulheres do cangaço nem sequer escolheram estarem ali. Muitas eram levadas a força, submetidas aos mais horrendos abusos.

Acredito que pela primeira vez, li uma obra que retrata fielmente os cangaceiros. Sem romantização, sem elevar o mito. Adriana consegue desmitificar a figura de Maria Bonita e apresentar Maria Gomes de Oliveira.

É com toda certeza um livro essencial para se ter na estante. 

Apreciei a leitura com zelo, me surpreendendo com muitos relatos contidos. Impossível não sentir certo horror com alguns fatos. É até difícil resenhar, pois sendo esta uma obra tão completa, tão estimada, me sinto uma blogueira pequenina em ter tal responsabilidade.

Vocês precisam conhecer pelo fato de finalmente uma escritora ter dado voz às mulheres do sertão. Vocês precisam conhecer pelo fato de nunca os depoimentos presentes na história dessas mulheres terem sido tão qualificados como foram aqui. E finalmente, vocês precisam ler para que essa ideia de direitos iguais entre homens e mulheres no sertão seja esclarecida (se até hoje, em âmbito geral existe desigualdade, imaginem lá na década de 30?).
"Perpetuou-se a falsa ideia de que, no cangaço, homens e mulheres tinham direitos iguais. Produziu-se um sem-número de versões sobre sua existência bravia. Disseminadas pela literatura de cordel, pelos livros e pela televisão. Essa versão romântica e justiceira de Maria Bonita, rapidamente apropriada pela indústria cultural, tornou-se um produto de forte apelo comercial - e expandiu seus limites para muito além das fronteiras do sertão."
A obra é realmente esclarecedora e um grito de liberdade in memorian à todas essas mulheres. Adriana Negreiros conseguiu fazer um trabalho espetacular.

Recomendo!

PS: Maria Gomes de Oliveira se tornou a primeira cangaceira da história do Brasil. Oito de março, Dia Internacional da Mulher, foi tido como data de nascimento da cangaceira por muitos poetas e memorialistas; porém o sociólogo Voldi Ribeiro localizou o assentamento de batismo de Maria; constando a data de 17 de janeiro de 1910. - fato retirado da obra, na página 15.

É louvável lembrarmos de Maria Bonita, mas não o mito. Acredito que precisamos nos lembrar das tantas mulheres sertanejas que perderam a vida de inúmeras formas nesse período tão triste de nossa história. Não só a morte física, mas também a emocional. Muitas morreram emocionalmente ao terem seus filhos arrancados, ao precisarem sucumbir a vontade dos bandidos e policiais; ao verem suas menininhas perderem a inocência da pior forma possível. 

A obra teve seus direitos audiovisuais comprados pela Paranoid e ganhará seriado pelas mãos de Heitor Dhaila, Egisto Betti e Manoel Rangel. 



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