( Resenha ) Arquivo das Crianças Perdidas – Valeria Luiselli @cialetras - Clã dos Livros

( Resenha ) Arquivo das Crianças Perdidas – Valeria Luiselli @cialetras

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Editora Alfaguara

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Resenha

Atual, verossímil, reflexivo e relevante, Arquivo das Crianças Perdidas é um relato, um diário, é o acompanhar de uma família por sua viagem de férias pelo nordeste e sudoeste americano, mas não é apenas isso, aqui nos deparamos com pensamentos, situações e discussões mais complexas e necessárias. Uma história de muitas camadas capaz de te surpreender e chocar na mesma proporção.



Uma família que não é “padrão”, pai e filho, mãe e filha, que formam juntos uma nova família. Um casamento que está em crise, onde o casal não consegue se reconhecer, opostos, pessoas que buscam por coisas diferentes, ainda que muito do trabalho de um, reflita no trabalho do outro, porém com olhares diferentes. A família está de férias, saindo para uma viagem longa de carro, em busca do objeto de estudo e trabalho do pai – Os Apaches -, enquanto que a mãe que a pouco se deparou com o assunto imigração, está ainda buscando por seu objetivo nessa viagem, não que ela esteja perdida, ela apenas não refinou a sua busca. Algo que não será um problema, já que a crise imigratória está por todos os lados, sendo discutida incansavelmente no rádio, jornais e televisão.


“(...) Morar juntos tinha sido uma decisão precipitada — confusa, caótica, urgente e tão bela e real quanto a vida quando não se está pensando em suas consequências. Nós no tornamos uma tribo. Em seguida vieram as consequências. Conhecemos os parentes um dos outros, nos casamos, começamos a preencher declarações conjuntas de imposto de renda, nos tornamos uma família.”

Esse com certeza não é o tipo de livro que a gente resenhe e sim, aquele que precisa ser lido. Valeria Luiselli criou todo um cenário e o explorou com maestria, regando a trama com muitos detalhes, levando o leitor para viajar com a família. Diversas vezes temos a sensação de estarmos sentados no banco de trás do carro, junto com os dois filhos do casal. Apesar de ser um enredo com muitas camadas, abordando a relação familiar, a relação do casal e os muitos pensamentos da personagem principal, que vive sim uma guerra interna, acabamos sendo guiados para a crise da fronteira que se torna o carro chefe da narrativa.

“(...) Sentimos o tempo de forma diferente. Ninguém conseguiu captar completamente o que está acontecendo ou dizer por que. Talvez seja apenas porque sentimos uma ausência de futuro, porque o presente se tornou por demais avassalador, de modo que o futuro se tornou inimaginável. E, sem futuro, o tempo parece apenas um acúmulo.”

É tudo muito real, cru, honesto, sensível, temos a narradora que olha de fora, que busca seu lugar de fala, que tenta compreender através de muitos questionamentos o que são essas crianças que atravessam o deserto sozinhas, fugindo da violência, da miséria, tentando encontrar seus pais e poder viver em paz com eles. Onde muitos acabam interrogados, presos, deportados e mortos. Alguém que se coloca no lugar do próximo, que tem empatia, que enxerga esses seres como mais do que meros números e estatísticas, que pensa em como seria se fosse com um dos seus filhos, se eles teriam a coragem, a força, a noção de como enfrentar todo aquele perigo. Tudo é muito palpável, no limite entre a realidade e ficção, para ser bem honesta é impossível dizer qual é qual. Acho que ambos se misturam e se confundem.



“Este país inteiro, disse o Papá, é um enorme cemitério, mas só algumas pessoas conseguem um túmulo decente, porque a maioria das vidas não importa. A maioria das vidas é apagada, perdida no redemoinho de lixo que chamamos de história, disse ele.”
Que leitura INCRÍVEL, enriquecedora, intrigante... São tantas as camadas, a carga emocional, histórica, politica, humana. As reflexões, os pensamentos que são absurdamente lúcidos, todo o enredo é tão poderoso, explorador, por vezes ousado e repleto de referencias que só tornam toda a construção narrativa ainda mais rica e envolvente.

”(...) Ele ergueu o copo, disse que Arizona, Novo México, Sonora, Chihuahua eram todos belos nomes, mas também nomes para designar um passado de injustiça, genocídio, êxodo, guerra e sangue. Disse que queria que nos lembrássemos desta terra como uma terra de resiliência e perdão, também como uma terra onde a terra e o céu não conheciam divisão.”

É o tipo de leitura que te tira da zona de conforto, que desconstrói padrões, sons, imagens, que cria comparações, que aponta, confunde, reorganiza, que chama a atenção para aquilo que por vezes fechamos os olhos, ou ignoramos. Que é poderoso naquilo que aborda e na mensagem que deixa.

Até a próxima! Bye.

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